Bembé do Mercado de Santo Amaro: O maior candomblé de rua do mundo
18:49Foto: Amanda Pinto |
Por: Dalila Brito
O culto do Bembé não nasceu em Santo Amaro, o festejo se constitui por influência dos congos e angolanos no candomblé baiano, com práticas ritualistas que referenciam os aspectos da nação Ketu, mais popular nação do candomblé, que teve início na Bahia ainda no século XX, quando as etnias africanas foram separadas pela igreja católica e os negros foram trazidos para o Brasil.
Embora em Santo Amaro os rituais públicos sejam realizados na semana em que se comemora a abolição da escravatura, a manifestação religiosa tem origens que influenciaram a sua ressignificação até os dias atuais. A palavra bembé é originária do idioma Yorubá/Fon, e significa um tipo de tambor comum entre os égbás, que significa o assentamento onde o orixá é recebido e egbádós, grupo iorubá localizado no Distrito do Norte Senatorial de Ogun Oeste, utilizada na cerimônia do geledés, um culto feminino de caráter religioso existente nas sociedades tradicionais iorubás, que expressa o poder feminino sobre a fertilidade da terra, a procriação e o bem estar da comunidade.
O bembé foi realizado pela primeira vez no recôncavo baiano por iniciativa de João de Obá, o pai de terreiro reuniu filhas e filhos de santo num barracão de pindoba para comemorar o primeiro aniversário da abolição, o festejo fazia referência ao culto à Yemanjá, quando para agradecer pelos frutos, os pescadores batiam tambor num barracão enfeitado com bandeirolas e levavam um barco com flores e oferendas à mãe d'água.
Diferentes cerimônias constituem essa celebração, entre elas estão as reverências aos antepassados, a Exum e o arô destinado na maioria das vezes a Yemanjá.
O principal rito público é o xirê, que significa roda, ou dança utilizada para evocação dos Orixás, realizado no barracão três dias após os ritos secretos de alimentação de Exu e Egum, reservados apenas aos iniciados no candomblé.Toda a preparação do barracão deve ser realizada antes do xirê. Com o objetivo de reforçar o axé do local, designado o “axé que nunca morre”, fazem parte desse momento o padé, que consiste em uma oferenda com mandioca, pimenta, água ardente e charutos para Exu, e arrumação dos presentes, ministrados pelo babalorixá, ogãs e equedes responsáveis pela realização da festa.
O festejo se encerra com a entrega do presente à Yemanjá, adeptos e simpatizantes do candomblé se deslocam até a praia de Itapema, na cidade de Saubara, onde os presentes são depositados na água. Ao som de atabaques, o barco é conduzido à água pelo babalorixá e os ogãs, enquanto os fieis cantam seus pedidos e os fogos anunciam a chegada dos presentes.
O Bembé do Mercado representa para o povo negro do Recôncavo baiano, em especial, da cidade de Santo Amaro, algo que vai muito além de um festejo com data marcada. Cada ritual realizado e cada oferenda aos orixás saudados nessa obrigação religiosa carrega consigo significados para um povo, no Bembé nada é feito por acaso, cada gesto, cada figura, a vestimenta, a ordem dos acontecimentos, tudo tem um porque que vai além inclusive das explicações já conhecidas e aqui descritas, os fundamentos em grande parte são algo reservados apenas aos iniciados no candomblé, mas de forma geral, ainda não que a maioria das pessoas que participem ou apreciem esse festejo não sejam iniciados, ainda assim, todos reconhecem os signos ali representados.
Ao longo dos anos foram incorporados à comemoração apresentações de cunho cultural, que assim como bembé contam a história da escravidão, das crenças, vivências e sofrimentos do povo escravo no território açucareiro, com hierarquias instauradas para manipular, punir e torturar aqueles que foram traficados e explorados em solos brasileiros. Ao longo do tempo a abertura para apresentações como maculelê e nego-fugido, deram ao culto do 13 de maio um caráter mais abrangente. A celebração continua sendo religiosa e de resistência social, mas atribui-se também um caráter cultural e turístico para tal realização.
Mesmo com a interferência de fatores que surgem com o passar dos anos e das épocas essa manifestação preservou a sua essência, de obrigação religiosa, que luta pela perpetuação dos costumes e da fé do povo negro. Ainda que hoje participem dos ritos públicos turistas e mídia em geral, atraídos pelo slogan de maior candomblé de rua do mundo, o Bembé não faz questão de ser um grande evento multimidiático e permanece obedecendo suas raízes. Cada passo é de importância vital para a perpetuação da identidade de um povo, por isso a importância de mesmo com a influência de inúmeros elementos externos o povo de santo se esforça para reacender e renovar todos os anos a força do axé que habita no Largo do Mercado, consagrando a Exu, os caminhos, becos e encruzilhadas santamarenses todos os anos.
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